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domingo, 15 de julho de 2012

O ninho

O cheiro de café recém passado, os biscoitos que já sei que lhe aprazem mais: bruxarias que tomam o peito e extravazam as mãos das Marias que regem a casa. Afastam o frio com o fogo de suas lareiras e no crepitar de suas chamas dançantes enxergo a mim mesmo aconchegado no colo do pai. Tuas carinhosas mãos que agarram-me e prendem-me ao hercúleo peso desse nosso lar. Se hoje nossas feridas sangram desembestadas é o preço que se paga pela ingratidão nossa de cada dia: tu bem o sabes pois foi o meu próprio sangue que te ensinou. Sorriremos, por isso lhe recupero: passo as mãos pelos teus cabelos negros e enrolo entre meus dedos tuas lágrimas de criança já grande demais para ser arrastada comigo – choramos juntos! Olho firme para essa tua dor e desejo devorá-la para que nunca mais ouse bater de frente contigo novamente – então ela gargalha, pois sabe que não cabe a mim mandá-la embora. Não desisto: exconjuro de ti todo o mal e se coleciono mandalas coloridas é apenas para ter certeza de que lhe darei, ao menos, um pouquinho de paz. Enfeitiço-te então. Marco-te com amor, filho meu! (E não queira dizer outra vez que isso é uma mentira). Se tu não entendes as línguas sacras que uso para lhe abençoar, não lhe culpo, mas não me satisfaço. Sei bem que os filhotes de homem são os últimos a abrirem os olhos, mas antes de dormir rezo, tremendo de medo, para que tu não morras cego demais. Ao ver teus olhos de desespero, divido contigo o segredo último que poderia lhe dar: nosso único mandamento (mesmo que tua surdez teimosa insista em ignorar) é que jamais ouse duvidar da força desse abraço. Eu lhe dei amor, minha prole. E é somente isso que lhe cabe dar.



Foto por: Tuane Eggers

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