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segunda-feira, 29 de junho de 2009

Crack! Pude ouvir o racho do meu coração.
Não era o primeiro, portanto, o som não me foi tão perturbador como outrora fora. Me preocupava apenas um único fato: Já havia escutado tantos rachos como aquele, que me espantava o tamanho de meu coração. Como era possível haver tanto para quebrar?
Pensei que talvez os danos já estivessem se alastrando por minha alma; talvez eu estivesse quebrando inteiro.
Seria possível um homem ser tão despedaçado ao ponto de transformar-se em pó?
“Não seria tão ruim ser pó” – Pensei – “Eu seria leve. Sutil, até. Eu poderia me separar em tantos pedaços, que não custaria a ninguém manter uma parte de mim junto de si!”.
Somos sempre tão espaçosos! Queremos mais e mais! Queremos ocupar até mesmo os lugares que não são nossos. Se fossemos um jogo como aqueles que as crianças utilizam para desenvolver o raciocínio, onde elas tem que encaixar a forma certa no lugar certo, seríamos a estrela que se recusa a sair do lugar do quadrado. Pensando bem, talvez sejamos a criança teimosa que insiste em colocar a forma errada no lugar errado.
Crianças ou estrelas, somos contrários e contrariados; pelo menos eu sou. Mas, se eu virasse pó, a forma não seria mais problema. Pó é pó em qualquer lugar; é, inclusive, muito mais autônomo! Ninguém diz que o pó tem forma de estrela, mas sim, que a estrela está cheia de pó. É como não ser nada, mas guardar em si a capacidade para tornar-se tudo.
Se pensarmos bem, deve ser até gostoso ser reduzido a esse nada que, ao mesmo tempo, é tudo. Seríamos leves o bastante para sermos livres. Voaríamos com o vento!
Chega a ser irônico. Se eu fosse pó, eu seria tão grande que estaria em todos os lugares. Deixaria um pedacinho mínimo de mim em cada lugar do mundo. O resto dividiria entre as pessoas. Seria tão enorme que as pessoas sequer perceberiam.
“Isso explicaria muita coisa. Sofremos tantos danos ao longo de nossa vida, que penso que seja essa a sua função: Lapidar-nos assim como o mar transforma as rochas em areia.” – Pensava eu enquanto me desfazia da cabeça aos pés. Eu sumi. Sumi como poeira ao vento perdida na cidade.


Foto por: Tuane Eggers

segunda-feira, 15 de junho de 2009

O Colecionador de Ausências

E novamente ele estava frio. Vazio como um rio que sofre com a seca. Mais uma vez ele estava esgotado de todo o caminho interminável percorrido em vão.
A tempestade chocava-se furiosa contra o vidro da janela, perturbando terrivelmente o sono do rapaz.
Será que um dia este ciclo vicioso teria um fim? Ele esperava que sim. Mais do que isso, ele queria acreditar com todas as suas forças que tudo aquilo, um dia, seria justificado. Ele precisava crer desesperadamente que algo muito especial lhe aguardava.
Afinal, qual seria o sentido de um longo período chuvoso, se não a enorme colheita de belas flores, na primavera? Se vivêssemos apenas sofrendo com a chuva, sem nunca admirarmos as flores, valeria a pena nossa tenra estadia aqui? Ele acreditava que não, e em resposta enfurecida, recusava-se a viver em vão. Recusava-se a meramente existir sem qualquer pretensão, pois melhor seria o nada absoluto, do que uma existência efêmera e inútil, nessa eterna caminhada sem um destino para alcançar.
Era preciso uma vida para abraçar e ser por ela abraçado; um cântico doce para acalmar uma noite de pesadelos tortuosos. Lá fora, a noite estava revolta como diversas outras vezes já havia estado, e sem conseguir dormir, imerso em tais pensamentos, ele sentou-se no chão de seu quarto e observou sua incrível coleção. Podia sentir uma espécie de prazer perverso dominar a sua mente, e não pôde conter um sorriso irônico.
Sua coleção era única. Unicamente cruel, mas unicamente sua. De alguma maneira bizarra, tudo aquilo que lhe faltava era exatamente tudo aquilo que ele possuía. Verdadeiramente, ele era o dono daquele nada.
Observou sua prateleira vazia e celebrou sozinho sua coleção de ausências. Podia ver claramente a ausência de cada expectativa. Cada objetivo não alcançado sorria para ele com grande intimidade. Cada vão não preenchido era terrivelmente inebriante, como a idéia de um anjo que não se pode ver e nem tocar.
“Anjos devem ser monstruosos” – Pensava ele – “Quase tão poderosos quanto Deuses, porém sorrateiros como uma brisa de verão”.
Ao mesmo tempo em que tremia de medo ao pensar em seres assim, sentia-se fascinado pela maneira como poderiam ser destrutivas – abusivas, até – tais criaturas. Ria sozinho diante da apavorante possibilidade de algo que nos é estranho e inatingível ter tanta influência sobre a nossa vida. Assim eram as suas ausências. Sorrateiras. Desastrosamente sorrateiras.
“Não somos nada além da marionete idiotizante que dança sobre o palco, manipulada por um mestre que sequer conhecemos o rosto e de quem nunca iremos nos livrar.”
Sentiu-se unicamente orgulhoso e unicamente esperançoso, enquanto deleitava-se em sua taça vazia. Decidiu enfrentar a chuva lá fora. Tremia. Sofria diante da água gelada, porém, aguardava ansiosamente pela chegada da primavera, que com certeza viria.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Soneto Renovado


É chegada a hora de viver de verdade;
Tempo para beber direto da fonte,
Sem espaços para remoer o passado,
Nem o futuro que talvez nunca chegue.

Agora, quero mesmo é um amor renovado!
Que me entenda e saiba ler as entrelinhas,
A palavra escondida; a verdade não dita,
Neste caleidoscópio onde nada é o que parece ser.

Quero muito mais do que um sonho para buscar,
A possibilidade de um dia alcança-lo!
Correr intensamente! O frescor do vendo batendo no rosto!

Quero três anos em um,
E ter de volta todo o tempo que gastei em vão.
Quero mesmo é o inédito cheiro da placenta.

Foto por: Tuane Eggers

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Conto de fadas

E é exatamente assim que essa história termina...
Sem felizes para sempre, sem nenhuma fada madrinha!
Sem mocinhos juntos no final,
Sem sorrisos, nem lições de moral.

Aqui o lindo castelo dourado
Acaba nas posses da rainha má,
E toda aquela bobagem de lealdade e dedicação
Acaba esquecida neste deplorável mar de víboras.

Nunca foi um conto feliz!
Nunca chegou a ser um dueto!
Nunca o mocinho conhecerá plenitude!
Nunca ele sentirá o gosto do reconhecimento!

Culpem os autores,
Que sempre nos iludem
Com seus repetitivos finais felizes!
Ou então ouse culpar a Deus,
Que mais uma vez esqueceu de olhar para outro de seus filhos desafortunados!

E é exatamente assim que a cortina se fecha,
Do espetáculo de falsidade, de ilusão e de morte!
De loucura, de auto-mutilação e de descontentamento.
De ciúmes, de traição e de veneno.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Sede

Diz o ditado que jamais devemos ir com muita sede ao pote. Por quê? Será que em nossa extrema afobação derramaríamos toda a água contida? Ou será que a beberíamos em tal gana, que seria como se ela jamais houvesse existido?
Imagino que este seja um dos meus maiores erros, do qual não consigo me livrar. Minha sede é intensa e minha alma não conhece saciedade. Meu apetite é voraz, um desejo feroz e sem limites.
Na verdade, um pote não me basta. Quero mesmo é uma fonte enorme para saciar essa sede mortal invertida. Invertida, pois não bebo como quem morre de sede, mas como quem vive.
Com o mesmo desespero primordial do bebê, que bebe o leite materno pela primeira vez: quente; diretamente do peito. Esse é o gosto primeiro que se tem na vida, auto-afirmativo que enfim estamos realmente vivos. Respirar e sentir os pulsos monótonos do coração, não basta. É preciso a certeza palpável. É preciso preencher qualquer vazio. Na alma. No estômago. Isso sim é coisa de gente viva.
O que quer que tenha nos criado, criou a boca como porta para quase tudo. Para entrar e sair. Beber e vomitar. Pela boca entra o alimento que sustenta a vida. Na boca começam as mais intensas sensações: é nela que bebemos o amor, a luxúria ou simplesmente companhia. Sendo assim, essa deve ser a função de um beijo: beber um pouco dos outros para sermos mais completos, ou menos vazios, como preferir. E é pela boca que expulsamos toda a raiva que macula a alma ou encantamos ouvidos com belas palavras de amor. Amor que é amigo. Amor que é amante. Amor que consola. Amor que ama. O amor que às vezes confunde. O amor que também machuca. Parece até um jogo louco. Uma loucura que tortura. Felicidade. Tristeza. Felicidade. Tristeza. A sede respira assim. É o sabor que docemente envenena, numa tal magnificência, capaz de escravizar pelo fascínio até mesmo a mais singela criatura.
Suponho que este seja o fino tecido de que é feita a vida, fechando o ciclo que nos faz buscar eternamente, nada além, daquilo que já temos pelo simples fato de existirmos: a sede de amar. Estupidez desgastante esta do sentido de viver. Sequer podemos generalizar, cada um de nós busca obsessivamente por uma face diferente da mesma coisa. Todos buscam saciar a sua sede , o que a torna o seu aniquilador caro e escasso.
Se alguém domina o mundo, deve ser um pouco sádico para assistir a todo esse caos e não ajudar com seus poderes ilimitados. Ou será que ele julga ser nossa a função de aprendermos sozinhos tudo aquilo que jamais nos foi ensinado? Será que realmente existe uma lição, que não fazemos idéia, mas devemos aprender?
Um ferreiro não pode fabricar tijolos, e nem um fotógrafo fazer uma cirurgia. É preciso exigir de cada um o que se pode dar, ou então ensinar-lhe aquilo que se espera. Não é justo punir um cachorro que não pode miar ou um humano que não consegue viver. É cruel demais dar apenas a sede, e nunca algo para se beber.
Carrego um fardo e não faço idéia do que se trata. Um dia ainda me enfureço e descubro o que é. Quebrarei as regras! Será que serei punido? Já fui. Já sou. É segredo, mas bisbilhotei-o e não gostei do que vi. É tão pesado que faz doer os meus pés e obriga-me a manter a cabeça baixa. Assim posso observar o caminho. Também não é agradável, geralmente é seco. Muito seco. Mas às vezes também tem água, então eu esqueço do trajeto por alguns instantes e molho meus pés doídos. Mais do que isso, banho-me inteiro. Bebo-a inteira! Minha sede atrapalha novamente e o caminho volta a ser desértico.
Não consigo me controlar! Bebo com meu corpo inteiro, numa devassidão que esgota! Cada partícula de mim clama por vida. Não me conformo em simplesmente existir. Preciso viver. Preciso sentir. Viver é sentir, mas deveria sentir-se algo bom. Queria tanto acreditar que a gente não morre em vão! A idéia de um paraíso para depois me apavora. Por que depois? E da vida, o que fazemos?
Melhor reformular: Queria tanto acreditar que a gente não vive em vão... É isso. O segredo é não viver em vão. Morrer não importa, pois mesmo que a plenitude existisse só depois da morte, então depois da morte seria a vida.
Porém não posso esperar. Nem quero... Recuso-me! Vou viver agora! Ao menos vou tentar. Vou correr! Pular! Gritar feito um doido!
Fugir, com a mesma fúria de um bárbaro, em busca de um caminho diferente. O meu caminho. Fugirei rumo a um oceano tão infinito que seja capaz de suportar a minha imensa sede.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Segredo

Degustarás meus lábios á beijar-te,
Furtivos, escorregadios,
Alimentando-se de toda a vida
Contida em teu hálito doce.

Sentirás meu olhar
Arrancando, até mesmo, a tua pele
No irrepreensível anseio,
De conhecer-te por completo.

Ouvir-me-á emudecer em gritos silenciosos,
Clamando quietos por teu nome,
Com a mesma cega obsessão
De quem faz uma prece.

Se puderes concentrar-te,
Poderás sentir, à noite,
Minha alma roçar na tua,
Minha mente indagar à tua,
Tentando adivinhar profanamente
Teus pensamentos mais profundos.

Em meu intenso desespero
Disfarçado de coragem,
Meu irrefutável desejo,
Fantasiado de amizade,
Entrego-me de corpo e alma
À esta terrível dúvida que me atormenta.

Foto por: Tuane Eggers